A invenção dos números: isso tem sentido?
  PARTE II:   S E N S O    N U M É R I C O



Senso numérico: a concepção intuitiva de número.



O que é o tal senso numérico?

Classicamente, se considerava como senso numérico a faculdade que permite a um ser vivo perceber que a quantidade de objetos de um pequeno conjunto foi alterada quando, sem seu conhecimento, forem acrescentados ou tirados objetos do mesmo. A pesquisa moderna, principalmente em Psicologia Cognitiva e Neurologia, estende essa capacidade para a de se fazer adições e subtrações, tudo isso sempre associado a conjuntos de pequeno tamanho, tipicamente com até entre cinco a dez elementos. Ademais, deve-se entender que essas adições e subtrações podem ser aproximadas e que a exatidão dos cálculos pode diminuir a medida que os números envolvidos aumentam.

Resumindo: senso numérico é a capacidade de reconhecer, comparar, somar e subtrair aproximadamente pequenos números.

É importante insistir, desde já, que o senso numérico é uma capacidade independente da de contar. Quando olhamos para uma mesa e dizemos que sobre a mesma existem três livros, podemos fazer isso sem contar um, dois e três. Além disso, também é importante enfatizar que o senso numérico é atributo inato de muitos animais, enquanto que apenas no homem o cérebro atingiu uma complexidade suficiente para lhe permitir aprender a contar. Também temos bastante evidência experimental para achar que apenas humanos são capazes de fazer multiplicações e divisões.


Até animais tem senso numérico

CAPACIDADE DE RECONHECER e COMPARAR PEQUENOS NUMEROS :
Há uma enorme quantidade de evidências mostrando que essa capacidade é muito comum entre os animais. Um dos exemplos mais conhecidos é o dos pássaros: se retirarmos dois ou mais ovos de um ninho, o pássaro o abandona.

Passando a exemplos mais significativos, podemos considerar o das leoas. Fora da época de reprodução, elas caçam em grupo e quando tem seu território invadido por outras leoas, elas comparam o tamanho de seu grupo com o das invasoras para decidirem se é hora de fugir ou defender o território.

Mais impressionante ainda é o caso da vespa solitária, Genus Numenus, uma espécie em que a fêmea é maior do que o macho. Quando uma vespa mãe bota seus ovos, ela o faz colocando cada ovo em uma célula diferente e junto de cada ovo ela deixa, para futuro alimento de seu "bebê", algumas larvas de inseto. O notável é que, de alguma maneira, a mãe sabe se um dado ovo originará uma vespa macho ou fêmea e deixa na respectiva célula: 5 larvas de insetos se for um ovo de vespa macho e 10 se for ovo de vespa fêmea.

Esse último exemplo é importante por mostrar que o senso numérico não se limita a conjuntos com quatro ou menos elementos, como se acreditava antigamente.

CAPACIDADE DE SOMAR e SUBTRAIR PEQUENOS NUMEROS :
Até bem recentemente qualquer um que levantasse essa possibilidade seria imediatamente ridicularizado pelos psicólogos. A razão para esse preconceito remonta ao início do sec. dos 1900's, época em que um cavalo chamado Hahns tornou-se uma enorme atração. Não era para menos: esse cavalo era apresentado como emérito calculista, sendo capaz de fazer as quatro operações aritméticas com números inteiros e até somar frações.
Nas demonstrações de Hahns, alguém da platéia podia lhe perguntar, por exemplo, qual o resultado de 5 + 3. A seguir, o dono traduzia o problema para seu cavalo, lhe mostrando 5 objetos alinhados numa pequena mesa e outros 3 objetos em outra mesa. Após "ponderar" sobre o problema, Hahns respondia batendo oito vezes com o casco no chão. Se o problema tinha sido calcular 2/5 + 1/2, Hahns dava a resposta 9/10 dando nove batidas seguidas de outras dez.

A fama de Hahns cresceu a um ponto tal que em 1 904 grandes nomes da Psicologia da época, liderados pelo Prof. Carl Stumpf, se propuzeram a investigar o fenômeno. Esses cientistas fizeram uma série de experimentos controlados que mostraram que não havia manipulação ou trapaça do dono do cavalo e que, concluiram, era realmente o próprio cavalo quem produzia as respostas.

Contudo, o então aluno de Psicologia, Oskar Pfungst não aceitou essa conclusão e construiu nova bateria de testes que, muito engenhosamente, foram capazes de mostrar que, embora não houvesse manipulação do dono de Hahns, o cavalo tinha uma hiper sensibilidade que lhe permitia perceber na fisionomia de seu dono e até mesmo na dos membros da platéia quando havia chegado ao número correto de batidas do casco. Com efeito, inicialmente, o aluno provou que sempre que o dono do cavalo não sabia a resposta o cavalo errava. Numa segunda etapa, ele conseguiu evidenciar o canal de comunicação involuntária entre o dono e o cavalo ou, na ausência do dono, entre Hahns e a platéia.

Esses experimentos tornaram-se clássicos, passando a serem estudados por todo estudante de Psicologia que com eles aprende a necessidade de extremo cuidado para evitar influências inconscientes dos experimentadores, bem como aprende que é possível que pequenos estímulos, como minúsculas alterações fisionômicas, tenham um efeito decisivo. Daí o preconceito que levantamos acima. Além disso, precisamos ter em conta que embora hoje saibamos que os animais pensam, também sabemos que eles pensam de um modo bem diferente do modo humano. Em particular, é difícil um humano conceber algum experimento que desperte o interesse ou necessidade de um animal fazer algum cálculo.

Difícil, mas não impossível. Com efeito, no primeiro capítulo de seu livro The Number Sense, o matemático e neuropsicólogo S. Dehaene relata vários experimentos recentes envolvendo animais -- pombos, ratos, chimpanzés, etc -- fazendo cálculos aritméticos.

Por exemplo, os professores Guy Woodruff e David Premack, da Universidade da Pennsylvania, mostraram que se apresentarmos a um macaco dois pratos com pedaços de chocolate, sendo que um tem sete pedaços e o outro tem seis, o macaco escolhe o prato com sete pedaços. O experimento é interessante na medida em que os pedaços do primeiro prato estão divididos em dois amontoados: um com quatro e outro com três pedaços; já no segundo prato, temos uma pilha com cinco pedaços e outra com um único pedaço. Certamente, V. está percebendo que, para decidir, o macaco precisa calcular 4 + 3 e 5 + 1 e então comparar os resultados 7 e 6; também deve V. estar percebendo que o experimento tem uma sutileza que lhe dá ainda mais valor: o maior monte de pedaços está no prato com o menor total de pedaços.

Neste e outros exemplos relatados por Dehaene, se constata claramente a natureza aproximada dos cálculos pelo senso numérico. Por exemplo, no caso dos macacos acima, eventualmente os macacos fazem a escolha errada e os erros tornam-se mais frequentes a medida que aumentamos os totais de pedaços de chocolate, como quando eles tem de escolher entre um total de 10 e um de 9.
Vale a pena insistir: as adições e subtrações envolvidas no senso numérico são aproximadas.


O senso numérico é inato ou construído?

Cada ser vivo, do homem ao mais elementar organismo, na constante luta por sua sobrevivência e a perpetuação de sua espécie, precisa ser capaz de distinguir, classificar e quantificar os objetos envolvidos em seu meio ambiente. Tendo isso em mente, fica fácil vermos que a sobrevivência de cada ser vivo depende do desenvolvimento de um senso numérico que lhe facilite alimentar-se, fugir de predadores e maximizar seu número de descendentes.
Ou seja, é de se esperar que a evolução das espécies tenda a dotar os organismos com um senso numérico inato, do mesmo modo que os dotou da capacidade inata de perceber e discriminar cores e sons.

Sob essa óptica evolucionista fica até estranha a clássica polêmica entre os filósofos os quais, a partir de pura especulação sem nenhuma base empírica, dividiam-se em dois grupos antagônicos:
  • os construtivistas que, como Locke, achavam que a mente é uma tabula rasa cujo conteúdo é determinado apenas pelo ambiente físico e social
  • os naturalistas que, como Kant, achavam que o conhecimento tinha uma boa parte inata
Assim, para os construtivistas o senso numérico exibido, por exemplo, pelos macacos dos professores Woodruff e Premack seria uma habilidade adquirida por aprendizado, dada deliberadamente ou inconscientemente por esses experimentadores aos macacos. Embora, como já apontamos, os mesmos construtivistas parecem achar natural que os mesmos macacos não precisem aprender cores ou diferenciar objetos colocados em pontos diversos do espaço.

Nesse sentido, é importante se lembrar que os modernos construtivistas apoiam-se quase que exclusivamente nos experimentos com crianças pelo grande psicólogo Jean Piaget c. 1930. Porém, temos hoje bastante evidência de que os experimentos piagetianos associados ao senso numérico não foram bem elaborados ou interpretados. Com efeito, tanto pela reformulação dos experimentos piagetianos como com a elaboração de grande quantidade de novos experimentos, com crianças e animais, pode-se hoje afirmar que há enorme quantidade de evidências de que o senso numérico existe até mesmo em bebês e é presença inata nas mais variadas espécies animais. É disso que passaremos a tratar:


A evidência do senso numérico inato

Até recentemente, para a investigação da origem do conceito de número, as pessoas que não se contentavam com as especulações filosóficas tinham apenas três caminhos:
  • estudar vestígios arqueológicos
  • estudar sociedades primitivas ( Levi Strauss )
  • fazer experimentos psicológicos com crianças ( Piaget )
Contudo, a medicina da última década do sec. XX, durante a chamada Década do Cérebro, nos deu vários recursos muito mais poderosos para investigarmos essa questão, tais como:
  • um enorme banco de dados sobre pessoas com lesões cerebrais
  • modernas técnicas de imageamento médico -- principalmente as baseadas em Ressonância Magnética, em Tomografia por Emissão de Pósitrons e em Magneto-encéfalografia -- que nos permitem "ver", de um modo não invasivo, o que está ocorrendo nas várias componentes do cérebro de pessoas vivas
Esses recursos, ajudados por investimentos de milhões de dollares na formação de grandes equipes de pesquisadores, como a de Stanislas Dehaene no Service Hospitalalier Frédéric Joliot e a equipe do Prof. Brian Butterworth no Institute of Cognitive Neuroscience, rapidamente permitiram a acumulação de grande evidência para a Tése do Módulo Cerebral Numérico, que pode ser rapidamente assim ser resumida:

T É S E   do   M Ó D U L O    N U M É R I C O

  • recém nascidos, de crianças a animais, já tem inatos a capacidade do senso numérico. Assim como o homem e os animais não precisam aprender a perceber cores, eles também não precisam aprender o senso numérico: essa é uma capacidade inata.

  • este senso numérico é implantado genéticamente no cérebro, através de um conjunto de circuítos neuronais muito especializados, que chamaremos de Módulo Cerebral Numérico.

  • O estudo de imagens de Ressonância Magnética e de Tomografia de Pósitrons permitiu achar a localização exata do Módulo Numérico no cérebro de humanos: ele está localizado na parte inferior esquerda do lóbulo parietal.


A maneira mais simples de demonstrar inquestionavelmente a existência do módulo numérico é o uso de técnicas de imageamento médico:

-- a tomografia por emissão de pósitrons, ou tomografia TEP:

A feitura de uma imagem cerebral por tomografia TEP inicia com a injeção, na corrente sanguínea do paciente, de uma substância que tem a tendência de se fixar no cérebro ( como é o caso da glicose ) e que contenha alguns átomos radioativos que se decomponham por emissão de pósitrons ( no caso da glicose, usa-se átomos de carbono-11, o qual tem uma meia-vida de 20 min ). Quando ocorre a decomposição, os pósitrons emitidos colidem com eléctrons livres bem próximos; a colisão converte matéria em energia, sob forma de dois raios gammas que são captados por sensores do tomógrafo. Um tratamento matemático e estatístico sofistificado dos sinais assim captados permite a produção de imagens que correspondem a "fatias planas" do cérebro do paciente.

Se durante a tomografia estimularmos intelectualmente o paciente, como no caso do problema dos montes de chocolate apresentados aos macacos dos professores Woodruff e Premack, haverá consumo de glicose nas partes do cérebro diretamente envolvidas; a substituição da glicose consumida acaba trazendo mais átomos radioativos para essas partes cerebrais e isso propicia a ocorrência de novas desintegrações. Ou seja: nas zonas cerebrais mais solicitadas pelo estímulo intelectual haverá uma maior produção de raios gama.

As imagens TEP acima foram produzidas no Institute Crump of Biological Imaging, da Universidade da California em Los Angeles, e mostram a variação da atividade cerebral normal de um mesmo recém-nascido, durante seus primeiros meses de vida; como é costume se convencionar, as partes em vermelho são "mais quentes": correspondem à maior atividade cerebral.
A tomografia TEP existe desde cerca de 1980 e durante esse período foi objeto de muitos aperfeiçoamentos, tanto na parte de engenharia como na matemática e estatística altamente sofistificadas e necessárias para produzir imagens mais nítidas. Como parte desses esforços, desenvolveu-se recursos computacionais avançados capazes de "montar" as imagens planas do cérebro, de modo a se produzir uma imagem tri-dimensional do mesmo: é a tomografia TEP 3-dimensional, exemplificada ao lado.
-- imagens por ressonância magnética funcional ( IRMf )

a ressonância magnética produz imagens muito mais nítidas e precisas do que a tomografia TEP; tem, além disso, a vantagem de ser capaz de detectar as minúsculas variações de fluxo sanguíneo cerebral durante processos cognitivos, o que permite fabricar imagens do cérebro onde aparecem em destaque as partes do mesmo que são ativadas sob um certo estímulo, como um problema aritmético; pode-se inclusive ver claramente que dependendo da operação aritmética a efetuar -- comparação, adição ou subtração de números -- é ativado o lóbulo parietal do hemisfério direito ou o do esquerdo.

A IRMf explora o fato que a maioria dos elementos atômicos tem isótopos naturais cujo núcleo é magnético e que, então, pode ser induzido a emitir radiação se colocado num campo magnético muito rapidamente alternante. Isso é o caso dos isótopos hidrogênio-1 e carbono-13, os quais existem abundante e naturalmente nos tecidos cerebrais.
Note que, em particular, a produção de imagens IRMf não envolve a injeção de materiais radioativos na corrente sanguínea do paciente. Isso é muito vantajoso, uma vez que permite estudos demorados e repetidos de um mesmo paciente.

Também é possível, através de recursos de Matemática Computacional e Computação Gráfica, produzir imagens 3-dimensionais por IRMf. Com efeito, os aparelhos de Ressonância Magnética vem acoplados a um computador com software matemática implementando esses recursos de maneira facilmente operável por pessoal médico sem formação matemática; esses ficam capazes de até mesmo movimentar e "recortar" as imagens do cérebro, produzindo figuras impressionantes e extremamente ricas em informação científica como a que vemos ao lado e acima.

Bem, mas vejamos exemplos de evidência da existência do Módulo Numérico e que não dependem do uso de imagens médicas:

exemplo:

Na comunidade matemática, quase todo o mundo conhece casos de colegas que sofreram acidentes cerebrais e perderam a capacidade de ler, mas conservaram a capacidade de produzir matemática, ou vice-versa. A Dra. Lisa Cipolotti do National Hospital for Neurology, na Inglaterra, construiu um grande banco de dados para esse tipo de acidentados.
O exame desse banco mostra que, entre os acidentados que perderam o senso numérico, sempre se constata que a lesão cerebral atingiu o lóbulo parietal, onde localizamos o Módulo Cerebral Numérico.

exemplo:

Supondo que seja válida a tése acima, seria de se esperar a existência de humanos que -- devido a algum defeito genético, nascimento prematuro ou a algum problema pre-natal como mãe alcoolista -- tenham nascido sem o tal Módulo Numérico Cerebral. O Dr. Butterworth, em seu livro, relata alguns desses exemplos. Um dos casos é o do indivíduo que ele chama de Charles. Embora Charles tenha inteligência superior e tenha se formado em Psicologia, ele é quase "cego" para questões envolvendo números e, ainda hoje, precisa usar os dedos para resolver os mais simples problemas de adição e até mesmo contagem (  mesmo que trate-se de dois ou três objetos ).

Por exemplo, ao ser examinado pelo Dr. Butterworth, Charles mostrou que tinha a capacidade de associar o numeral escrito 17 ao respectivo numeral falado ( seventeen, ou dezessete ), mas também mostrou que não associava a 17 um significado numérico e, em particular, não era capaz de calcular com o mesmo.

Em particular, Charles é outro exemplo que tragicamente depõe contra as teorias construtivistas: apesar de sua inteligência superior, ele é incapaz de aprender a ultrapassar o nível de cálculos muito simples com os dedos da mão.

exemplo:

Charles também serve como evidência de que os centros cerebrais para leitura e cálculo são diferentes. Nesse sentido, existem exemplos ainda mais interessantes, como o de uma paciente atendida no Hospital Frédéric Joliot, onde trabalha a equipe do Prof. Dehaene. Essa paciente tem uma muito pobre capacidade de leitura de numerais, embora seja bastante capaz de calcular. Por exemplo, se a essa paciente for apresentado por escrito o problema 17 + 32 = ? , ela é capaz de dar a resposta 52 mas se atrapalha toda e faz erros se lhe for solicitado ler e resolver o problema em voz alta.

exemplo:

Duas das grandes responsáveis por problemas de aprendizagem na escola primária são a discalculia ( incapacidade de calcular ) e a agnosia digital ( a incapacidade de envolver os dedos da mão em processos mentais, como o de contar ). Estima-se que esses problemas afetam entre 5% a 10% dos alunos.

A equipe do Prof. S. Dehaene estudou vários casos de discalculia provocada por acidentes vasculares cerebrais, como o do paciente que era capaz enumerar sequências de números ( como 1, 2, 3, 4, ... ), mas era incapaz de dizer quanto é dois mais dois, e nem de dizer quem é o maior dentre seis e oito. É importante se observar que sua incapacidade de comparar limitava-se ao caso de números, pois era perfeitamente capaz de dizer que letra está entre D e F, ou que dia encaixa-se entre quarta e sexta-feira.

Os casos de agnosia digital são particularmente intrigantes, sendo que o Dr. Butterworth acha que, em humanos normais, a área do cérebro que controla os movimentos dos dedos se desenvolve junto com a criança e acaba fazendo conexões com os circuítos neuronais do módulo numérico; contudo, no caso de pessoas com essa agnosia, por alguma razão tal conexão não se concretiza.



Observações complementares:

Existência do Módulo Numérico em animais:

O uso de imagens cerebrais para investigar o Senso Numérico em animais ainda é quase inexistente, a vasta maioria dos estudos tem limitado-se a humanos. A razão básica para isso é o alto custo dos equipamentos para produção de imagens de tomografia TEP e de ressonância magnética, bem como o da operação desses equipamentos.
Consequentemente, ainda não se pode afirmar que o Módulo Numérico em animais se localiza em partes que são homólogas ao do cérebro humano, e muito menos sabe-se se a estrutura do tal módulo é igualmente complexa em humanos e animais.

Por outro lado, acredita-se que essas questões realmente devam ser investigadas, pois que muito provavelmente poderão contribuir no mapeamento das partes do genoma humano que contém as informações para a construção das áreas do cérebro associadas às capacidades matemáticas.

Matemática exata versus aproximada:

As imagens computadorizadas ao lado mostram que as partes do cérebro humano envolvidas num cálculo aproximado são diferentes das envolvidas num cálculo exato:
  • o pensamento do cálculo exato aloja-se no lóbulo frontal esquerdo, o mesmo que abriga o centro da linguagem no homem

  • O senso numérico, a intuição matemática em geral e a capacidade de fazermos cálculos aproximados localizam-se, conforme já vimos, na parte inferior esquerda da região parietal; é muito importante acrescentar que essa região também abriga as representações espaciais.


Em particular, isso confirma opinião muito antiga entre os matemáticos de que a intuição e o pensamento geométrico caminham juntos.

O Módulo Numérico não basta:

Assim como a capacidade de tocar piano ou de datilografar não resultam meramente de capacidades de circuítos neuronais construídos genéticamente, mas dependem de um lento e apropriado desenvolvimento de circuítos neuronais genéricos -- através do aprendizado dessas artes -- é só com o ensino e prática que podemos ultrapassar as limitações do Módulo Numérico e conseguir aprender matemáticas que ultrapassem a capacidade de reconhecer, comparar, somar e subtrair aproximadamente pequenos números. Trataremos dessa questão na próxima parte deste trabalho.

Possíveis aplicações desses conhecimentos:

Já temos bastante conhecimentos para iniciar uma retificação das teorias e das muito populares --mas muito ineficientes, a não ser nas séries iniciais do ensino primário -- metodologias didáticas construtivistas. Por exemplo, no que toca ao o ensino de matemática para crianças bilíngues -- problema que torna-se cada vez mais importante, com o aumento incessante das imigrações  em direção aos países ricos --, nenhuma técnica construtivista convencional produz um aprendizado tão eficiente quanto ao ensino dado na língua nativa dos alunos.

No que toca a crianças normais, foi comprovado que expondo-as a sons musicais harmoniosos e complexos, como Mozart, consegue-se que elas tenham um maior desenvolvimento nas áreas do cérebro associadas ao pensamento matemático e espacial. Isso comprova-se facilmente, mesmo em crianças muito novas, usando-se testes de desenhos de padrões geométricos e testes de labirintos.

Outro promissor potencial de aplicação é o enfrentamento de distúrbios de aprendizado, não associados a baixo nível de inteligência, como a discalculia.

Próximos desenvolvimentos :

De modo semelhante ao que vem ocorrendo com o esforço de elucidação do genoma humano, está sendo discutida a possibilidade de um banco de dados com imagens TEP e de IRMf, aberto à comunidade científica internacional. O mesmo seria um caminho para se enfrentar os altíssimos custos de compra e operação dos respectivos equipamentos, os quais estão disponíveis apenas em algumas dezenas de instituições, tipicamente grandes hospitais americanos e europeus.


Exercícios


EXERCICIO

Explique o quer dizer o Dr. Dehaene quando ele afirma que número e cor são quase a mesma coisa.

EXERCICIO

Usando o que foi abordado acima, comente sobre as relações entre os dois textos a seguir:
alguns cientistas, como J. Piaget, argumentam que a Matemática é apenas uma extensão da Lógica, enquanto que o matemático Keith Devlin, em recente livro -- Maths Gene --, argumenta que a Matemática é apenas uma extensão da linguagem.
Recentes estudos científicos mostraram que o cérebro tem partes distintas para tratar de cálculos, raciocínios e linguagem.


EXERCICIO

Comente a atualização científica e faça as devidas correções do seguinte texto:
Existem várias teorias procurando explicar a origem da discalculia:
  • a Teoria Cognitiva: defende que a discalculia se deve a uma dificuldade para memorizar e adquirir o conhecimento.
  • a Teoria Neurológica: atribui a discalculia a um fator neurológico ainda desconhecido, uma diferença estrutural no cérebro relacionada com a área da linguagem.


EXERCICIO

Embora Chomsky e Butterworth sejam opositores dos construtivistas, eles discordam quanto à Matemática. Com efeito, Chomsky vê o conceito de número como um mero aspecto especial da linguagem. Pergunta-se, como mostrar que o ponto de vista de Chomsky é obsoleto
  • usando imagens de Tomografia TEP ou de Ressonância Magnética?
  • usando exemplos de acidentados?



bibliografia e agradecimentos

P A R A     A P R O F U N D A M E N T O:

  • J. Hadamard: Essai sur la psychologie de l'invention dans le domaine math‚matique. Paris: Gauthier-Villars,1975.
  • Stanislas Dehaene: La bosse des maths. Paris: Odile Jacob, 1997.
  • Stanislas Dehaene: The Number Sense. How the Mind Creates Mathematics.
    Oxford University Press, 1997 ( trad. do livro anterior )
  • S. Dehaene, L. Cohen: Towards an Anatomical and Functional Model of Number Processing.
    Mathematical Cognition, n. 1, pp. 83-120, 1995.
  • S. Dehaene ( ed.): Le cerveau en action : l'imagerie c‚r‚brale en psychologie cognitive. Paris: Presses universitaires de France, 1997.
  • Brian Butterworth: The Mathematical Brain. Macmillan
  • Brian Butterworth: What Counts: How Every Brain is Hardwired for Math. Free Press, 1999
  • J. I. D. Campbell: The Nature and Origins of Mathematical Skills. Elsevier, 1992.
  • Keith Devlin: The Maths Gene. Macmillan
  • Thomas Crump: Anthropologie des nombres. Seuil, Paris, 1995. Cambridge University Press, 1990.
A G R A D E C I M E N T O S:

A figura do título desta página e' baseada na capa de Michael Hays para o livro Denise Schmandt-Besserat; The History of Counting, 1999.

Nesta página, as figuras contendo imagens médicas são o resultado de grandes manipulações e modificações de imagens produzidas pelas seguintes instituições:
EEG Systems Laboratory, Hospital Frédéric Joliot, INSEREM, Crump Institute of Biological Imaging - UCLA,


demais partes desta matéria:


   PARTE I:Introdução
   PARTE II:Senso numérico
   PARTE III:O homem ultrapassa o senso numérico
   PARTE IV:A invenção dos sistemas de numeração
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