Os números complexos foram inventados para resolvermos as equações do segundo grau   ?



Não ! Isso é uma falácia clássica



Além de historicamente errada, essa extremamente comum "explicação" para o surgimento dos números complexos é um absurdo. Com efeito, por que alguém iria buscar raízes num campo numérico desconhecido?

Até cerca de 1 650 dC, em respeito à orientação geométrica da matemática grega, as únicas raízes consideradas como legítimas ou verdadeiras eram as que correspondiam à grandezas geométricas ou físicas : podiam ser interpretadas como comprimentos, áreas, volumes, massas, etc. Diríamos hoje: correspondiam a números reais POSITIVOS .

Por exemplo, Bhaskara, que foi um dos indianos que mais perto chegou da idéia da moderna álgebra ( conhecia a regra menos vezes menos dá mais, trabalhava com equações de coeficientes negativos, etc ), reconhecia que a equação

x2 - 45 x = 250

era satisfeita por dois valores, x = 5 e x = - 5, mas dizia que não considera-se a segunda pois as pessoas não apreciam raízes negativas .

Resumindo, até o surgimento dos cartesianos, c. 1650, as raízes eram divididas em verdadeiras ( correspondiam aos reais positivos) e falsas ( que correspondiam aos reais negativos e não eram consideradas como legítimas ). As únicas e raras ocorrências de raízes negativas nesse período surgiam em problemas de contabilidade, onde eram interpretadas como dívidas.



Como surgiram os números complexos ?



Cardano 1545 ao tentar resolver a cúbica x 3 = 4 + 15x , a qual ele sabia ter raiz verdadeira x = 4, constatou que a regra de dal Ferro-Tartaglia produzia a seguinte expressão ( em notação moderna ) :


Deparando-se com o termo - 121 , ele não conseguiu ver como "destravar" o calculo, de modo a fazer a regra chegar ao esperado x = 4.

Foram precisos mais de 25 anos para Bombelli, em 1572, atinar como resolver o impasse . Esse disse ter tido a "idéia louca" de operar com as quantidades da forma a + b -1 sob as mesmas regras que se usa com os números reais, mais a propriedade


( -1 )2 = -1

para assim conseguir "destravar" a regra, fazendo-a produzir o desejado x = 4.

O próprio Bombelli não estava bem seguro do que havia criado, chegando mesmo a dizer que eram uma nova espécie de raízes quadradas ... que tem regras diversas das outras. Para os demais matemáticos da época, os números complexos eram vistos com suspeita e quanto muito tolerados, na falta de melhor coisa. Até o nome que receberam, números SOFÍSTICOS, espelhava bem a situação.

É de se acrescentar que alguns matemáticos da época procuraram descobrir maneiras de se evitar o uso dos complexos. Entre eles, o que mais procurou evitar as torturas mentais envolvidas com o uso de raízes quadradas de negativos foi Cardano. Em seu difícil livro De Regula Aliza, de 1 570, Cardano procurou inventar artifícios de cálculo que evitassem o uso de raízes quadradas de negativos quando da aplicação das regras de resolução de cúbicas. Conseguiu apenas magros resultados. Foram necessários trezentos anos para que, em 1 890, Capelli conseguisse provar que isso é em geral impossível de conseguir.



O primeiro estudo dos complexos: Bombelli 1 572



Rafael Bombelli gastou 74 páginas de sua L'Algebra para estudar as leis algébricas que regiam o cálculo com as quantidades a + b -1 . Em particular, mostrou que

  • as 4 operações aritméticas sobre números complexos produzem numeros desse tipo
  • a soma de um real e um imaginário puro não pode se reduzir a um só nome.


Investigação do fechamento dos complexos



Embora Bombelli já tivesse se preocupado em provar o fechamento das operações aritméticas com números complexos, em 1 680, encontramos ninguêm menos do que Leibniz questionando-se se seria real ou não o resultado de

( a + ib ) + ( a - ib )


Lambert, em 1 750, mostrou que i  ,  i i ,etc todos tem a forma a + ib.



Extensão das operações transcendentes aos complexos:



A principal dificuldade foi entender o logaritmo de números complexos. E se vamos falar do ln z, por que não falar no log de reais negativos ? Com efeito, estendeu-se por muitos anos a polêmica do significado e valor do ln (-1). Nada menos do que Leibniz, Euler e J. Bernoulli entraram na briga.

Bernoulli alegava que, como 1 2 = (-1) 2, tomando o log, obtemos 0 = ln(-1). Leibniz dizia que isso não pode ser correto, uma vez que teríamos, de ln(-1) = 0, que -1 = e 0 = 1.
O passo decisivo foi dado por Euler que mostrou que o log de um número não nulo tem infinitos valores, os quais são todos imaginários no caso do número ser negativo.

Boa parte dessas discussões envolviam argumentos metafísicos e não podemos dizer que Euler tenha esclarecido definitivamente a questão. Isso só ocorreu em 1 830 com Martin Ohm, o qual deu uma teoria completa para o calculo de a b e de ln a ( com a,b complexos ). Suas idéias foram divulgadas e estendidas por Cauchy , o qual elucidou a questão da multivocidade através das noções de ramo principal e ramos secundários de uma função.

exemplo:
como e2 i = 1 , então ln ( e2 i ) = ln ( 1 ) mas é errado disso concluir que 2 i = 0.
Foi só com as idéias de Ohm e Cauchy que aprendemos a fazer o cálculo corretamente.



A aceitação dos números complexos:



Talvez possamos dizer que os principais matemáticos responsáveis por essa aceitação foram:

  • Lambert e Euler que estudaram o fechamento dos números complexos sob operações algébricas e transcendentes
  • Wessel que introduziu ( 1 797 ) a moderna representação geométrica, que foi depois popularizada por Mourey e Gauss c. 1 830.
  • Gauss que divulgou e muito usou essa representação e provou que os nmeros complexos sao necessários e suficientes para a Algebra ( Teorema Fundamental da Algebra: todo polinômio de coeficientes reais ou complexos pode ser fatorado em termos lineares, possivelmente complexos )
  • Ohm e Cauchy que esclareceram a multivocidade das operações algébricas e transcendentes sobre os complexos
Com isso, a terminologia desconfiada inicial ( n. sofísticos c. 1570, n. imaginários c. 1650 ) acabou cedendo lugar à mais natural denominação atual: números complexos, em c. 1830.

Já no séc. dos 1800's os n. complexos encontraram grande uso no estudo da Mecânica de Fluídos, da Eletricidade e outros fenômenos em meios contínuos. Hoje, são instrumental absolutamente necessário em inúmeros campos da Ciência e Tecnologia.


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