Para dar uma idéia do método das séries de potências para resolver equações diferencias, vamos começar com um exemplo.
Exemplo 1: Consideremos a equação diferencialEsta equação parece muito simples, no entanto os métodos de resolução vistos na primeira área não se aplicam a ela. Vamos procurar então uma solução expressa em forma de soma de uma série de potências
Substituindo na equação, temos
No primeiro somatório, chamando![]()
, temos
A seguir, em lugar da letra![]()
, podemos usar qualquer outra, inclusive novamente
. Podemos também fazer o segundo somatório começar de
, pois fazer isto corresponde acrescentar uma parcela a mais no somatório, mas esta parcela é nula. Obtemos, então,
Mudando a ordem dos termos e agrupando termos semelhantes, podemos escrever na forma de um único somatório
Desta igualdade decorre que todos os coeficientes se anulam,
ou seja,
Chamamos esta última igualdade de fórmula recorrência. Ela não nos diz nada sobrepara
![]()
e
, mas a partir daí todos os
ficam determinados. Assim,
e
podem ser escolhidos arbitrariamente, mas usando a fórmula de recorrência repetidas vezes, vamos obtendo
Encontramos assim a solução da equação expressa na forma![]()
e dependendo de duas constantes arbitrárias,
e
, o que não é de se estranhar, já que se trata de uma equação de ordem 2.
Escolhendo
e
, obtemos
e
Encontramos, assim, uma solução da equação diferencial,
Observe que esta primeira solução poderia ser expressa em termos das funções elementares. De fato, usando a série da exponencial, obtemos![]()
![]()
Escolhendo
e
, obtemos
e
O s’mbolo![]()
acima é chamado de fatorial duplo e indica o produto em que os fatores vão diminuindo de 2 em 2 unidades. Assim, uma segunda solução, linearmente independente da primeira, é dada por
Para verificar que de fato![]()
acima define uma solução da equação diferencial é necess‡rio, antes de mais nada, verificar que a série converge, isto é, que a série de potências que define
tem raio de convergência maior do que 0. Não faremos isto aqui.
Observações: (i) Se
, então
e
. Logo
. Portanto nossa solução
corresponde às condições iniciais
,
, enquanto que
corresponde às condições inicias
,
.
(ii) A solução encontrada
é uma função elementar. Usando nosso método de encontrar uma segunda solução linearmente independente para a equação linear homogênea:
que nos dá
ou ainda,
Levando em conta que
de
deduz-se quee
Vamos então resolver o problema de valor inicial
Pondo![]()
, a equação diferencial se reduz à equação de primeira ordem
que é separável,
Da condição inicial![]()
ou, equivalentemente,
, segue que
, isto é,
Logo
Usando que![]()
, obtemos, finalmente,
ou seja,
Temos, então, que
Conclusão:![]()
não se expressa em termos das funções elementares. Ou seja, ao resolvermos uma equação diferencial linear de coeficientes variáveis, pode acontecer que uma solução não possa ser expressa em termos das funções elementares. Por esta razão estamos buscando uma forma alternativa para expressar as soluções, como soma de série de potências. Em outras palavras, as funções elementares não constituem um universo suficientemente grande para que com elas se possam expressar as soluções das equações com coeficientes variáveis.
Exemplo 2: Consideremos o problema de valor inicial
Como as condições iniciais são dadas no ponto![]()
, procuramos a solução expressa em forma de série de potências de
, pois se
então![]()
e
, de modo que as condições iniciais do problema nos dizem que
e
. Substituindo na equação temos
Reescrevemos como![]()
Fazendo mudança de índices, obtemos![]()
Notando que o 1![]()
e 4
somatórios podem ser começados em
e o 3
somatório pode ser começado em
e agrupando os termos semelhantes, obtemos finalmente
Para que a igualdade acima se cumpra é necessário que todos os coeficientes da série se anulem. Obtemos, então,
e a fórmula de recorrência
Já tínhamos que![]()
e
. Aplicando as fórmulas acima, vamos encontrando, sucessivamente,
,
,
, etc. Obtemos então a expressão
![]()
Observação: No exemplo 1 foi possível obter uma fórmula geral para os coeficientes das soluções. Isto não aconteceu no exemplo 2, onde é poss’vel calcular tantos coeficientes quanto se queira, mas não obtivemos uma fórmula geral para eles. Cabe perguntar qual a causa desta diferença. A resposta é que no exemplo 1, a fórmula de recorrência
é do tipo mais simples possível, envolve apenas dois termos. Assim, por exemplo,
pode se expressar em função de
somente. Isto não ocorre no exemplo 2, onde a fórmula de recorrência
é mais complicada, envolvendo 4 termos. Em geral, só quando a fórmula de recorrência envolve apenas 2 termos é que pode-se ter esperança de encontrar uma expressão geral para os coeficientes.