Pontos Singulares Regulares - Método de Frobenius


Definição. Seja $ x_0$ um ponto singular para a equação diferencial

$\displaystyle y''+P(x)\,y'+Q(x)\,y=0 \ .
$

Dizemos que $ x_0$ é um ponto singular regular se

$ \bigl(x-x_0\bigr)P(x)\,$ é analítica em $ x_0$
e
$ \bigl(x-x_0\bigr)^2Q(x)\,$ é analítica em $ x_0$,

isto é, se a singularidade dos coeficientes $ P(x)$ e $ Q(x)$ pode ser removida pela multiplicação, respectivamente, por $ \bigl(x-x_0\bigr)$ e $ \bigl(x-x_0\bigr)^2$.

Exemplos.

1. $ \,x_0=0\,$ é um ponto singular regular para a equação de Cauchy-Euler
$\displaystyle x^2\,y''+a\,x\,y'+b\,y=0 \ .
$
De fato, dividindo por $ x^2$, para reduzir a equação à forma canônica, temos $ \displaystyle\,P(x)=\frac{a}{x}\,$ e $ \displaystyle\,Q(x)=\frac{b}{x^2}\,$. As singularidades destas funções podem ser removidas por multiplicação:
$\displaystyle x\,P(x)=a$     e $\displaystyle \qquad x^2\,Q(x)=b\ .
$

2. $ \,x_0=0\,$ é um ponto singular regular para a equação de Bessel

$\displaystyle x^2\,y''+x\,y'+\bigl(x^2-p^2\bigr)y=0 \ , \qquad p\in\mathbb{R}$    parâmetro fixado$\displaystyle .
$

De fato, dividindo por $ x^2$, temos

$\displaystyle P(x)=\frac{1}{x}$    e $\displaystyle \qquad
Q(x)=1-\frac{p^2}{x^2} \ .
$

Multiplicando, $ \,x\,P(x)=1\,$ e $ \,x^2\,Q(x)=x^2-p^2\,$ são analíticas em 0.

OBS. O estudo que fizemos da equação de Cauchy-Euler, nos mostra que existe solução da forma $ \,y=x^r\,$, $ r$ não necessariamente inteiro. Concluímos daí que no caso de ponto singular regular, não vamos poder procurar solução na forma de uma série de potências, pois séries de potências envolvem somente potências de $ x$ com expoente inteiro. Vamos ter que procurar a solução numa forma que contenha como caso particular as funções $ \,y=x^r\,$.

Método de Frobenius. O Método de Frobenius para uma equação com ponto singular regular, consiste em procurar solução na forma

$\displaystyle y=(x-x_0)^r\sum_{n=0}^\infty a_n\,(x-x_0)^n=
\sum_{n=0}^\infty a_n\,(x-x_0)^{n+r} \ .
$

Podemos sempre supor

$\displaystyle a_0\neq 0 \ .
$

Basta escolher como $ r$ o menor expoente de $ x-x_0$ que aparece na série solução. Se $ r$ é o menor expoente presente, o coeficiente $ a_0$ de $ (x-x_0)^r$ é não nulo. A partir daqui vamos considerar sempre $ x_0=0$. O caso geral pode ser sempre reduzido a este pela mudança de variável $ \,x\longmapsto x-x_0\,$.

Exemplo 1. $ 2\,x^2\,y''+3\,x\,y'+\bigl(
2\,x^2-1\bigr)y=0\,$.
Substituímos

$\displaystyle y=\sum_{n=0}^\infty a_n\,x^{n+r} \ ,$    onde $\displaystyle \quad 
a_0\neq 0 \ .
$
Note que na derivada,
$\displaystyle y'=\sum_{n=0}^\infty\bigl(n+r\bigr)a_n\,x^{n+r-1} \ ,
$
o índice obrigatoriamente começa a variar a partir de $ \,n=0$, e não a partir de $ \,n=1$, pois como o primeiro termo de $ \,y=a_0\,x^r+a_1\,x^{r+1}+\cdots\,$ em geral não é uma constante, este não se anula por derivação. Não temos aqui a liberdade de escolha de começar, conforme a conveniência, a partir de $ \,n=1\,$ ou de $ \,n=0\,$, que tínhamos no método de resolução por série de potências em um ponto ordinário. A mesma observação vale para a derivada de segunda ordem
$\displaystyle y''=\sum_{n=0}^\infty\,\bigl(n+r\bigr)\bigl(n+r-1\bigr)
a_n\,x^{n+r-2} \ .
$
Substituindo $ y$, $ y'$ e $ y''$ por suas expansões em série na equação diferencial dada, obtemos

$\displaystyle \sum_{n=0}^\infty2(n+r)(n+r-1)\,a_n\,x^{n+r}+
\sum_{n=0}^\infty3(...
...x^{n+r}+
\sum_{n=0}^\infty 2\,a_n\,x^{n+r+2}-
\sum_{n=0}^\infty a_n\,x^{n+r}=0
$

Agrupando os termos em $ x^{n+r}$, obtemos

$\displaystyle \sum_{n=0}^\infty\Bigl(2(n+r)(n+r-1)+3(n+r)-1\Bigr)a_n\,x^{n+r}+
\sum_{n=0}^\infty 2\,a_n\,x^{n+r+2}=0 \ .
$

Fazendo $ n+2=k$ no segundo somatório,
$\displaystyle \sum_{n=0}^\infty\Bigl((n+r)(2\,n+2\,r-2+3)-1\Bigr)a_n\,x^{n+r}+
\sum_{k=2}^\infty 2\,a_{k-2}\,x^{k+r}=0 \ .
$
No segundo somatório podemos substituir $ k$ por qualquer letra, inclusive $ n$. Separamos os 2 primeiros termos do primeiro somatório e combinamos os 2 somatórios restantes

$\displaystyle \Bigl(r\,(2\,r+1)-1\Bigr)a_0\,x^r+
\Bigl((r+1)\,(2\,r+3)-1\Bigr)a_1\,x^{r+1}+
\hspace{3.0cm}
$

$\displaystyle \hspace{3.0cm}
+\sum_{n=2}^\infty\biggl[\Bigl((n+r)(2\,n+2\,r+1)-1\Bigr)a_n+
2\,a_{n-2}\biggr]x^{n+r}=0
$

Se quisermos obter uma série de potências, dividimos por $ x^r$. Portanto valem as mesmas observações feitas no método de séries de potências e, então, o coeficiente de cada $ x^{n+r}$ deve se anular. Como $ \,a_0\neq 0\,$, temos
             (i)  $ r\,(2\,r+1)-1=0$ ,    chamada de equação indicial
            (ii) $ \Bigl((r+1)\,(2\,r+3)-1\Bigr)a_1=0$
           (iii) $ \Bigl((n+r)(2\,n+2\,r+1)-1\Bigr)a_n+
2\,a_{n-2}=0$ , para $ n=2,3,4,\ldots$
Esta última é a fórmula de recorrência.
A equação indicial (i) é uma equação algébrica de grau 2. As suas raízes dão os possíveis valores para $ r$. No exemplo que estamos considerando a equação indicial é

$\displaystyle 2\,r^2+r-1=0 \ ,
$
cujas raízes são
$\displaystyle r_1=\frac{1}{2}$    e $\displaystyle \quad r_2=-1 \ .
$
Por razões que vão ser importantes mais tarde, nos casos mais complicados, é conveniente trabalhar primeiro com a maior das raízes da equação indicial. Por esta razão indicamos por $ r_1$ e $ r_2$, respectivamente, a maior e a menor das raízes da equação indicial.

1 $ ^{\underline{\rm a}}$ Solução.    Com $ \displaystyle\, r_1=\frac{1}{2}$
A equação (ii) fica
$\displaystyle 5\,a_1=0 \ .
$
Então $ a_0$ pode ser escolhido arbitrariamente, com a única restrição que seja diferente de 0. Mas necessariamente $ \,a_1=0\,$. Escolhemos $ \,a_0=1\,$.
A fórmula de recorrência fica
$\displaystyle \Bigl(\bigl(2\,n+1\bigr)\bigl(n+1\bigr)-1\Bigr)a_n+
2\,a_{n-2}=0 \ , \ $    para $\displaystyle \ \ n=2,3,4,\ldots \ ,
$
ou seja,
$\displaystyle \bigl(2\,n^2+3\,n\bigr)a_n+2\,a_{n-2}=0 \ .
$
Segue que

$\displaystyle a_n=-\,\frac{2\,a_{n-2}}{n\bigl(2\,n+3\bigr)}
\ ,$    para $\displaystyle \ \ n=2,3,4,\ldots \ .
$
Concluímos que

$\displaystyle 0=a_1=a_3=a_5=\cdots
$

$\displaystyle a_0=1 \ \Longrightarrow \
a_2=-\,\frac{2}{2\cdot7} \
\Longrightar...
...1} \
\Longrightarrow 
a_6=-\,\frac{2^3}{2\cdot4\cdot6\cdot7\cdot11\cdot15} \ .
$

Simplificando, obtemos

$\displaystyle a_0=1 \ , \quad
a_2=-\,\frac{1}{1\cdot7} \ , \quad
a_4=\frac{1}{1...
...cdot7\cdot11} \ , \quad
a_6=-\,\frac{1}{1\cdot2\cdot3\cdot7\cdot11\cdot15} \ .
$

Em geral,

$\displaystyle a_{2\,n}=\frac{(-1)^n}{n!\bigl(7\cdot11\cdot15\cdots(4\,n+3)
\bigr)} \ , \qquad n\geq 1 \ .
$

Obtemos então a solução

$\displaystyle y_1(x)=x^\frac{1}{2}\biggl(1+\sum_{n=1}^\infty
\frac{(-1)^n}{n!\Bigl(7\cdot11\cdot15\cdots(4\,n+3)\bigr)}\,
x^{2\,n} \Biggr) \ .
$

Note que esta solução pode ser reescrita na forma de um único somatório

$\displaystyle y_1(x)=x^\frac{1}{2}\sum_{n=0}^\infty(-1)^n
\frac{3}{n!\Bigl(3\cdot7\cdot11\cdots(4\,n+3)\bigr)}\,
x^{2\,n} \ .
$

2 $ ^{\underline{\rm a}}$ Solução.    Com $ \displaystyle\,
r_2=-1$
A equação (ii) fica
$\displaystyle -a_1=0 \ .
$
Ainda podemos escolher $ a_0$ arbitrariamente, com a única restrição que seja diferente de 0. Mas necessariamente $ \,a_1=0\,$. Escolhemos $ \,a_0=1\,$.
A fórmula de recorrência fica

$\displaystyle \Bigl(\bigl(2\,n+1\bigr)\bigl(n+1\bigr)-1\Bigr)a_n+
2\,a_{n-2}=0 \ , \ $    para $\displaystyle \ \ n=2,3,4,\ldots \ ,
$

ou seja,
$\displaystyle \bigl(2\,n^2-3\,n\bigr)a_n+2\,a_{n-2}=0 \ .
$
Segue que

$\displaystyle a_n=-\,\frac{2\,a_{n-2}}{n\bigl(2\,n-3\bigr)}
\ ,$    para $\displaystyle \ \ n=2,3,4,\ldots \ .
$

Concluímos que

$\displaystyle 0=a_1=a_3=a_5=\cdots
$

$\displaystyle a_0=1 \ \Longrightarrow \
a_2=-\,\frac{2}{2\cdot1} \
\Longrightar...
...ot5} \
\Longrightarrow 
a_6=-\,\frac{2^3}{2\cdot4\cdot6\cdot1\cdot5\cdot9} \ .
$

Simplificando, obtemos

$\displaystyle a_0=1 \ , \quad
a_2=-\,\frac{1}{1\cdot1} \ , \quad
a_4=\frac{1}{1...
...t2\cdot1\cdot5} \ , \quad
a_6=-\,\frac{1}{1\cdot2\cdot3\cdot1\cdot5\cdot9} \ .
$

Em geral,

$\displaystyle a_{2\,n}=\frac{(-1)^n}{n!\bigl(1\cdot5\cdot9\cdots(4\,n-3)
\bigr)} \ , \qquad n\geq 1 \ .
$

Obtemos então a solução

$\displaystyle y_2(x)=x^{-1}\biggl(1+\sum_{n=1}^\infty
\frac{(-1)^n}{n!\Bigl(1\cdot5\cdot9\cdots(4\,n-3)\bigr)}\,
x^{2\,n} \Biggr) \ .
$

Encontramos assim duas soluções linearmente independentes para nosa equação diferencial linear homogênea. É imediato que $ y_1$ e $ y_1$ são linearmente independentes. Uma delas não é múltiplo da outra, pois num caso a potência de $ x$ de menor expoente que aparece é $ \,x^\frac{1}{2}\,$ e no outro caso é $ \,x^{-1}\,$.

Veremos que existem 3 casos diferentes no Método de Frobenius. O exemplo dado acima é do caso mais simples, em que a equação indicial em duas raízes distintas $ r_1$ e $ r_2$, mas cuja diferença $ r_1-r_2$ não é um inteiro. Existe ainda um segundo caso, de raiz dupla $ \,r_1=r_2\,$, e um terceiro caso, de raízes distintas $ \,r_1\neq r_2\,$ tais que $ \,r_1-r_2=\,$inteiro.