Existência de Fatores Integrantes
A respeito de fatores integrantes, cabem algumas
perguntas:
1) Toda equação diferencial ordinária de primeira ordem
admite um fator integrante?
2) Se existir um fator integrante, ele é único, ou
podem existir outros? Podem existir fatores integrantes de
diversos tipos?
Vamos começar analisando a segunda questão, que é mais
simples. Vamos pensar na equação diferencial escrita já na
forma
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(1) |
É fácil ver que se existir um fator integrante
,
este não vai ser único, pois todos os seus múltiplos
, ( constante), também serão fatores integrantes.
São os triviais. A questão é saber se pode existir algum não
trivial, isto é, um fator integrante
independente
de
, ou seja, tal que
const.
Teorema 1. Suponhamos que a equação diferencial
(1) admita dois fatores integrantes independentes
e
. Então, a solução geral de (1) é
dada por
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(2) |
Demonstração:
Sejam
e
fatores integrantes de (1),
independentes. Precisamos provar que a solução geral de (1) é dada por
(2). Mas o que significa dizer que (2) é a solução geral de (1)?
Significa que a família das soluções de (1) é precisamente
a família das curvas de nível da função
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(3) |
Em outras palavras, a função , definida por (3), deve ser
constante sobre os pontos do gráfico da função , para
qualquer solução da equação diferencial (1).
Conclusão: dizer que (2) é a solução geral de (1)
significa dizer que
const.
o que é o mesmo que dizer que
Pela regra da cadeia, isto é o mesmo que dizer que
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(4) |
para toda solução de (1). É isto o que precisamos
provar. Mas de (3) segue
e
Portanto, para provar (4), basta verificar que
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(5) |
Mas é solução de (1), ou seja,
e, portanto,
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(6) |
Substituindo (6) em (5), precisamos mostrar que
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(7) |
Ainda não usamos o fato que
e
são fatores integrantes de (1). Vamos fazer isto agora. Como
é fator integrante de (1), segue que
é exata. Logo
e, portanto,
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(8) |
Analogamente, como
fator integrante de (1), temos que
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(9) |
Multiplicando (8) por , (9) por e subtraindo uma da outra,
obtemos
mostrando que a igualdade (7) se cumpre. Logo o teorema fica provado.
Exemplo 1. No exercício 1, da lista 3, foi pedido
para encontrar para a equação diferencial
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(10) |
dois fatores integrantes, um dependendo só de e outro
dependendo só de . Foram encontrados os fatores integrantes
e
. A solução
geral da equação diferencial (10) pode ser encontrada
utilizando qualquer um destes fatores integrantes, como foi feito na
lista 3, mas agora, podemos
também aplicar o Teorema 1, que acaba de ser demonstrado, para concluir que
que a solução geral da equação (10) é
Esta expressão pode ser reescrita, isolando , como
Mas
é simplesmente uma constante arbitrária,
por isto em lugar desta expressão podemos escrever apenas , que o
significado é o mesmo. Logo a solução geral de (10) é
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(11) |
Observação. Se
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(12) |
é a solução geral de uma certa equação diferencial ordinária
de primeira ordem, então para qualquer função de uma variável
, que não seja constante em nenhum intervalo, a expressão
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(13) |
também é solução geral da mesma equação diferencial.
Justificativa. É muito simples justificar a observação
acima. De fato, se (12) é a solução geral de uma certa equação
diferencial, é porque as soluções da equação diferencial
são as funções cujos gráficos são as curvas de nível
da função . Mas as funções e
têm exatamente as mesmas curvas de nível. Por exemplo, ao longo
dos pontos de uma curva de nível de , esta assume sempre um
mesmo valor, digamos
. Mas então ao longo desta mesma curva
a função também é constante:
.
Num exemplo concreto, para
e
, a circunferência
unitária é uma curva de nível de
, correspondendo ao
valor 1 da função, mas esta mesma circunferência unitária também é
curva de nível de
, correpondento ao
valor 0 desta função.
Aplicação da Observação. Se é
solução geral de uma dada equação diferencial, então para
qualquer função de uma variável , que não seja constante em
nenhum intervalo, a expressão
tamém é solução geral
da mesma equação diferencial.
Este fato já foi usado implicitamente no Exemplo 1. A solução geral
de (10) era , com
Tomando
, temos
A solução geral de (10) pode então ser reescrita como
que é exatamente a expressão (11) obtida anteriormente.
Estamos agora em condições de enunciar e demonstrar
o seguinte teorema, que é uma espécie de recíproca do
Teorema 1.
Teorema 2. Seja
um fator integrante para
a equação diferencial (1) e seja
a solução geral de (1). Então para qualquer ,
função de uma variável, que não seja constante em
nenhum intervalo,
, definido por
também é um fator integrante para a equação diferencial (1).
Demonstração:
Seja
um fator integrante para a equação
diferencial (1). Logo a equação diferencial
é exata. Isto significa que existe uma função tal que
Seja
a solução geral de (1) e seja uma
função de uma variável que não seja constante em
nenhum intervalo. Conforme a observação acima e sua aplicação,
pondo
a expressão
também representa a solução geral de (1).
Como vimos em (4), qualquer solução de (1) satisfaz
ou seja,
Comparando esta última expressão com
que segue imediatamente de (1), e levando em conta que todo ponto
é da forma para alguma solução de (1), obtem-se
Temos
e, multiplicando os dois lados por e, usando (14) e (15), obtemos
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(16) |
Mas precisamos provar que
, definido por
também é um fator integrante para
a equação diferencial (1). Tudo o que precisamos mostrar é que a
equação diferencial (1) multiplicada por
, ou seja,
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(17) |
é exata. Mas
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(18) |
Analogamente,
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(19) |
De (17) e (18) segue que
Esta última igualdade mostra que (17) é exata em qualquer
retângulo (ou, melhor ainda, em qualquer região simplesmente conexa)
em que seus coeficientes estejam definidos, provando o teorema.
Existência de Fatores Integrantes. Quanto à
primeira questão, realmente, toda equação diferencial
ordinária de primeira ordem possui fatores integrantes, embora
seja mais difícil dar uma demonstação rigorosa deste
fato, do que foi para a segunda questão. Em princípio
teríamos aí um método universal para resolver qualquer
EDO de primeira ordem. Mas na prática as coisas estão muito
longe de funcionarem desta maneira, pois, a não ser para certos
tipos particulares de equações, é muito difícil
encontrar uma fator integrante.
Abaixo, fazemos uma digressão de interesse teórico. Vamos
justificar que, depois de resolver a equação diferencial (1),
se tormarmos sua solução em forma implícita
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(20) |
podemos, a postriori, conhecer um fator integrante que teria permitido
resolver a equação. O mérito deste raciocínio
é mostrar que de fato (1) possui fatores integrantes.
Derivando (20) em relação a , temos
Daí segue que
Substituindo em (1) obtém-se
Ou ainda,
Chamando de a este valor comum, temos
Portanto
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(21) |
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(22) |
Segue que é um fator integrante para (1), pois multiplicando
(1) por , obtemos
que, utilizando (21) e (22), pode ser reescrita como
Esta última é obviamente exata.
Exemplo 2. Na lista 3, exercício 10, foi pedido para
resolver a equação diferencial
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(23) |
A idéia era observar que (18) é uma equação homogênea e usar
o método de resolução estudado, que consiste em, através de uma
mudança de variáveis, transformar a equação homogênea em uma
equação separável. A resposta encontrada foi
Permitindo que assuma também valores negativos, a solução
geral pode ser rescrita como
Reescrevendo (18) na forma
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(24) |
temos, com a notação do parágrafo anterior,
e
Fazendo os cáculos, encontramos
Conforme o parágrafo anterior, encontraríamos o mesmo
resultado calculando
Como vimos no parágrafo anterior, o valor comum
é um fator integrante para a equação diferencial (19) (note que
(19), e não (18), foi objeto de nossos cálculos). Se tivéssemos
sabido disto antes de resolvermos a equação diferencial, poderíamos
ter multiplicado (19) por
e obtido
que é exata. Devemos procurar uma função tal que
De (20) segue que é da forma
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(27) |
para uma certa função
dependendo só de .
Derivando (22) em relação a , temos
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(28) |
Comparando (21) com (23), concluímos que
Logo, uma possibilidade é
e, portanto,
Segue que a solução geral de nossa equação diferencial (18)
é
Em resumo, toda equação diferencial ordinária de
primeira ordem possui fatores integrantes, na verdade uma infinidade
deles, das mais diversas formas. Se
for um fator integrante e
for a solução geral em forma implícita, então
qualquer expressão da forma
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(29) |
também é um fator integrante, onde é uma função de
uma variável qualquer, sujeita à única restrição de que
seja diferenciável e que não seja constante em nenhum invervalo.
Apesar desta abundância de fatores integrantes, na prática é
muito difícil encontrá-los. É fácil procurá-los de uma
forma especial, por exemplo, dependendo só de uma das variáveis,
ou da forma
, ou ainda do tipo
. O problema é que de antemão não sabemos se
vai existir um fator integrante de uma destas formas.
No exemplo 2, para a equação diferencial (23), temos o fator
integrante
e a solução geral
. Tomando em (29) como sendo, sucessivamente,
,
e , encontramos os seguintes
fatores integrantes para a mesma equação diferencial (23):
,
Eduardo H. M. Brietzke