Tipos de aleatoriedade


  

Aleatoriedade: subjetiva e objetiva
No que toca à ocorrência de aleatoriedade na Natureza, os filosófos gregos clássicos dividiam-se em dois grupos:

  • os que seguiam Demókritos e diziam que a Natureza é determinista, ou seja que toda estrutura e fenômeno tem ( causas ) determinantes e, então, sempre poderemos explicar os porquês de uma dada estrutura e prever ou controlar qualquer fenômeno natural desde que tenhamos informação suficiente; disso resulta que o único aleatório que pode existir é o aleatório subjetivo: aquele que é apenas um outro nome para uma eventual falta de conhecimento da Natureza
  • os que seguiam Epikuros e que diziam que na Natureza existe o aleatório objetivo ou verdadeiro

Vejamos maiores detalhes sobre essas concepções:

  • a aleatoriedade subjetiva de Demókritos é a aleatoriedade do desconhecimento de causas,
    ela é apenas um outro nome para a ignorância humana acerca das causas determinantes de uma dada estrutura ou de um dado fenômeno e, consequentemente, de nossa incapacidade de descrever, prever ou controlar; ela é um determinismo disfarçado

  • a aleatoriedade objetiva de Epikuros é a aleatoriedade da ausência de causas,
    é aquela associada a estruturas e processos que não são determinados por nenhuma causa, que negam todo recurso a antecedentes; uma estrutura com aleatoriedade objetiva é impossível de descrever completamente; um processo aleatório objetivo tem comportamento impossível de se prever e controlar, e se o repetirmos a partir de estados iniciais e causas idênticas produzirá efeitos diferentes que são determinados de um modo totalmente ao azar.
    Exemplos são a desintegração de um átomo radioativo e a emissão de um fóton por um átomo excitado; não existe nenhum modo de prever o momento exato de ocorrência de tais fenômenos.

Bem, voltando aos gregos: por mais de dois mil anos, o ponto de vista de Demókritos foi o que teve mais seguidores. Entre esses, talvez os mais importantes tenham sido o matemático Laplace e o físico Einstein.

Laplace e o ápice do determinismo
Laplace foi autor de um dos mais importantes livros sobre probabilidades de todos os tempos, o Théorie Analytique des Probabilités ( 1812 ), onde muito claramente defendeu o ponto de vista de Demókritos, levando-o a um extremo, dizendo:

se imaginarmos uma inteligência capaz de conhecer todas as forças que animam a Natureza e conhecer o estado de todas as partes da qual ela é composta - uma inteligência suficientemente grande para analisar todos esses dados - então ela seria capaz de numa fórmula expressar o movimento dos maiores corpos do universo, bem como o dos menores átomos. Para tal inteligência nada seria incerto e o futuro, bem como o passado, estariam abertos a seus olhos.



Observe que Laplace está declarando que a Natureza é determinista, mas ela se comporta como se fosse um relógio de tamanho e complexidade gigantescas. É exatamente essa complexidade que pode tornar conveniente, mas não necessário, tratar certos fenômenos naturais como aleatórios subjetivos. Ainda não se tinha a menor razão para se suspeitar da existência do aleatório objetivo.

A descoberta do aleatório objetivo
Quando c. 1930 surgiram as primeiras teorias quânticas tentando explicar os fenômenos microscópicos, as mesmas se viram numa posição frontalmente contrária à posição de Laplace pois que foram levadas a afirmar a existência de fenômenos que ocorrem devido ao mero acaso, sendo impossível explicar porque eles produzem esse ou aquele estado num dado instante. A aceitação dessas afirmações não foi fácil, nem mesmo depois da Mecãnica Quântica ter mostrado ser capaz de explicar uma série de fenómenos microscópicos, como a radioatividade e a estabilidade dos átomos, e produzir tecnologias de importância como o transistor e o laser. A mais importante voz levantando-se contra a existência do aleatório objetivo foi Albert Einstein, na época o mais importante e famoso físico do mundo. Einstein protestou contra essas idéias com uma frase que ficou famosa: Deus não joga dados!

Einstein não ficou só nisso. Em 1 935, ele propôs um experimento ( que hoje chamamos de experimento EPR ou de Einstein-Rosen-Podolsky ) que pretendia provar que a Mecânica Quântica não é capaz de explicações completas e por isso aparenta mostrar a existência do aleatório objetivo. Esse experimento envolvia medidas muito delicadas e só no início dos 1980's pode ser levado a cabo. Se Einstein ainda fosse vivo, teria ficado desapontado. Seu experimento acabou lhe traindo, pois mostrou que o indeterminismo e a aleatoriedade objetiva são qualidades fundamentais dos fenômenos naturais microscópicos.Ou seja: a aleatoriedade objetiva existe na Natureza.

RESUMO

Hoje, sabemos que a Natureza não é totalmente determinista.

De um lado temos os fenômenos naturais macroscópicos que são deterministas, embora sejamos forçados a considerar muitos deles como imprevisíveis e incontroláveis, dotados de uma aleatorieadade subjetiva, pois que não conhecemos, e talvez nunca conheceremos, todas suas causas e estados.

Por outro lado, para fenômenos microscópicos a situação é radicalmente diferente; aí imperam estados de comportamento bizarro e que obedecem somente ao acaso. São fenómenos aleatórios objetivos, como o pulo de um eléctron de um nível energético a outro, sem passar por estágios intermediários e sem existir nenhuma causa determinando o instante de pulo.

Sob um ponto de vista estritamente matemático, usamos matemática determinista para investigar os fenômenos previsíveis e usamos matemática probabilista para investigar tanto os fenómenos de aleatoriedade subjetiva como os de aleatorieadade objetiva.



EXERCICIO
Desde quando podemos afirmar que o Universo não funciona como um gigantesco relógio?

EXERCICIO
Um dos criadores da moderna Teoria das Probabilidades foi Emile Borel, matemático francês do início do sec 1900. É clássica sua definição: o acaso é apenas um outro nome dado à nossa ignorância.
Pergunta-se:

  • Borel adotava o ponto de vista de Demókritos ou Epikuros?
  • Borel chegou a conhecer a Mecânica Quântica?

EXERCICIO
Comente sobre o seguinte texto: "no lançamento de uma moeda, se pudermos medir exatamente sua posição inicial, a força exercida, etc saberemos prever exatamente se resultará cara ou corôa; este é um exemplo de fenómeno que é aleatório apenas em sua aparência, ou seja é um fenómeno aleatório subjetivo".

EXERCICIO
Anteriormente, apontamos desenvolvimentos importantes da Física no sec 1800, posteriores a Laplace e que envolviam abordagem probabilística: a explicação da pressão e da viscosidade dos gases por Maxwell, o conceito de entropia da matéria por Boltzmann, os limites da conversão de calor em trabalho mecânico, etc. A aleatoriedade aí presente era objetiva ou subjetiva? Einstein aceitava esses resultados?

EXERCICIO
Anteriormente, comentamos sobre a diferença entre determinismo, aleatoriedade e caoticidade. Segundo isso, por que seria inadequado usar a expressao "caótico" nas frases: o calor é o resultado do movimento caótico das moléculas, Maxwell descobriu a lei da distribuição de velocidades de um gás a partir da suposição que elas movimentam-se caóticamente?

EXERCICIO
Um protótipo de fenômeno aleatório encontrado na Natureza é o movimento browniano ( o movimento errático que se observa em partículas microscópicas e muito leves, suspensas em líquidos de pequena viscosidade, como é o caso de poléns dentro da água).
Um dos trabalhos que imortalizou Einstein foi sua explicação do movimento browniano como resultante dos impactos produzidos nas partículas pelas vibracões térmicas das moléculas do líquido.
O movimento browniano é um fenômeno aleatório objetivo ou subjetivo?

EXERCICIO
Comente o seguinte texto de Ronaldo Entler:

O físico e matemático francês Laplace (1749-1827), figura emblemática do determinismo, afirmava que uma inteligência superior que pudesse conhecer a posição de todos os corpos e todas as forças que atuam no universo num determinado momento, poderia prever a posição desses corpos em qualquer momento sugerido, do passado ou do futuro. Existe aqui a idéia de um grande encadeamento: o estado do universo no passado determina seu estado no presente que, por sua vez, determinará seu estado no futuro. O conhecimento de um desses estados permitiria ao cientista tanto avançar quanto retroceder no tempo.

Esta definição contém, na verdade, uma negação potencial do próprio acaso, e é exatamente isso que esse ciência determinista irá buscar. Se ocorre o acaso, o cientista poderá tentar ampliar sua observação, localizando a força até então negligenciada que atuou sobre o corpo. Se for relevante, isto é, se essa força tende a reaparecer, ela deverá ter lugar em sua equação para que sua ação possa ser calculada. Mas ele pode ainda considerá-la simplesmente como um lapso do processo experimental, dado irrelevante já que, para ele, não existem lapsos na natureza. Nesse caso ele repetirá a experiência, desta vez, cuidando para que a situação ideal se cumpra. 
O nosso prezado amigo Ronaldo Entler tem um site com excelente material sobre vários aspectos do acaso e, além disso, expõe a posição do matemático A. Cournot que defendia a existência de um terceiro tipo de aleatoriedade: a associada ao cruzamento de séries causais independentes. Examine esse ponto de vista clickando aqui.





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