O objetivo deste texto é o de apresentar uma aplicação interessante de trajetórias ortogonais Consideremos o problema de determinar as linhas de campo e as superfícies equipotenciais do campo elétrico gerado por dois fios paralelos de material condutor, carregados com cargas opostas de mesma densidade. Devido à simetria do problema, só duas dimensões de espaço são relevantes. Tomando um sistema de coordenadas em que o eixo seja paralelo aos fios, o campo, o potencial e as forças elétricas vão depender só das coordenadas e . Podemos visualizar o problema no plano. Mas na verdade um ponto deste plano vai representar uma reta no espaço tridimensional (a reta passando pelo ponto e paralela ao eixo ). É como se estivéssemos olhando de cima e víssemos a reta como um ponto,
um cilindro como um círculo, e assim por diante. Na Figura 1, os pontos e representam fios paralelos de um material condutor. Sejam () a densidade linear de carga (carga por unidade de comprimento) do fio e a densidade de carga do fio . Estamos interessados no campo elétrico num ponto . Queremos encontrar a linha de campo e a superfície equipotencial passando por . Vamos primeiro encontrar o potencial gerado por um único fio e depois, somando os resultados, obter o potencial gerado pelos dois fios.
Potencial gerado por um fio. A origem representa agora um fio de material condutor, a densidade de carga vale e queremos saber o valor do potencial elétrico no ponto .A componente vertical de é nula e a componente horizontal vale
Por uma questão de simetria, o campo elétrico vai ser perpendicular ao fio e sua intensidade não vai depender da coordenada . Dado um ponto no espaço, seja o ponto do fio mais próximo de . Coloquemos sobre o fio a coordenada 0 no ponto . Sejam e os campos elétricos gerados por segmentos de comprimento medidos, repectivamente, a partir dos pontos de coordenada e . A carga elétrica em cada um destes segmentos vale . Seja a resultante de e . Logo a intensidade no ponto do campo gerado pela carga distribuída ao longo de todo o fio valee, fazendo uma mudança de variável ,
(1)
Para obter o potencial elétrico , lembremos queMas a função depende apenas da distância do ponto ao eixo . Isto é, é da forma . Portantoonde e . Comparando comque decorre da expressão (1) obtida acima, vemos que deve-se terPortanto é do tipopara alguma constante . Qual o valor da constante? Lembremos que o importante é não tanto o potencial em cada ponto, mas sim a diferença de potencial entre pares de pontos (por exemplo, o trabalho realizado pela força elétrica sobre uma carga que se desloca entre dois pontos vale o produto da carga pela diferença de potencial entre os dois pontos). Portanto o valor da constante não é relevante, pois é cancelada quando se calcula a diferença de potencial. Fazemos então a escolha mais simples possível, . Chegamos assim à expressão
(2)
para o potencial gerado por uma distribuição uniforme de carga elétrica sobre um fio infinitamente longo, sendo a densidade linear de carga.
Potencial gerado pelos dois fios. Para fixar as idéias, suponhamos que, na Figura 1, os pontos e tenham coordenadas e . As distâncias e valem, então,eO potencial gerado pelos dois fios, sendo a soma dos potenciais gerados por cada um dos fios individualmente, valeLogo as superfícies equipotenciais (representadas por curvas no plano ) são a família das curvas de nívelou, equivalentemente (escrevendo ),
(3)
Reescrevemos (3) comoisto é,
(4)
Para , (4) representa uma família de círculos. Porém, um membro desta família, para , é o eixo , . Chamando de , podemos reescrever (4) na forma
(5)
A maneira mais simples de descobrir a variação do parâmetro é olhando para o gráficoisto é,
da função . Vemos que quando varia no intervalo , vamos ter que varia no conjunto , ou seja Completando o quadrado na expressão (5), tem-seA conclusão é que as superfícies equipotenciais são os círculos (na realidade, cilindros circulares) centrados em pontos de raio , para .
Linhas de campo. Para determinar as linhas de campo do campo elétrico gerado pelos dois fios, usamos o fato que as linhas de campo e as superfícies equipotenciais cortam-se sempre ortogonalmente. Portanto, do ponto de vista matemático, o problema que queremos resolver é o de determinar as trajetórias ortogonais à família de círculos (5).
Solução do problema. Seja a família de círculos (5) e seja a família das trajetórias ortogonais à família . O primeiro passo é encontrar uma equação diferencial de primeira ordem, da qual seja a solução geral. Reescrevendo (5) comopensando em como função de e derivando em relação a , obtém-seO numerador desta fração deve se anular. LogoLogo os círculos da família dada satisfazem, todos eles, a equação diferencial em forma normalUsando a condição de ortogonalidade, a família ortogonal deve satisfazer
(6)
Para resolver (6), reescrevemos esta equação como
(7)
Vamos procurar um fator integrante para (7). Investigando a existência de um fator integrante dependendo só de , multiplicamos (7) por , obtendoA condição para que esta última seja uma equação exata é queisto é,ou ainda,
(8)
Como foi eliminado, a condição (8) é uma equação diferencial ordinária, que pode ser facilmente resolvida separando as variáveis,Não estamos interessados na solução geral desta última equação diferencial. Basta-nos ter um fator integrante. Escolhendo, então, a constante de integração como 0, obtemosEncontramos assim o fator integrante para (7). Multiplicando (7) por , obtém-se a equação exataPara resolvê-la, queremos encontrar uma função de duas variáveis satisfazendo
(9)
Da primeira condição acima segue que
(10)
com dependendo só de . Derivando (10) em relação a ,e comparando esta última com a segunda condição em (9), segue queIntegrando esta última e tomando a constante de integração como sendo 0, seguePortanto uma função que satisfaz (9) éLogo a solução geral de (7) éque pode ser reescrita de maneira mais simples como
(11)
Logo a família das linhas de campo também é uma família de círculos. É imediato
verificar que , são soluções de (11). Logo a família das linhas campo é a família dos círculos que passam pelos pontos e . A figura ao lado representa as duas famílias de círculos. Os círculos traçados com linhas mais grossas representam a família das linhas equipotenciais e os círculos desenhados com linhas mais finas representam a família das linhas de campo.